Mas afinal, o que faz um Maestro?

Publicado em 09/04/2020

Chegou a hora de esclarecermos os gestos quase que pictóricos de uma das funções mais complexas e importantes no mundo da música

 

Todos que já foram a um concerto de música clássica, ou qualquer outro gênero musical que tivesse uma orquestra acompanhando, se deparou com a figura de um ser humano com cabelos esvoaçantes (ou ausência de cabelo), excessiva sudorese, vestindo um elegante fraque ou casaca, mexendo mais os braços do que os próprios músicos que conduz. Este é o Regente, ou Maestro, termo de origem italiana, assim como toda a nomenclatura e termos da notação musical tradicional.

A figura do maestro surgiu entre o século XVII e XVIII. Conforme as orquestras foram aumentando e ganhando mais instrumentos, era necessário mostrar o tempo para os músicos seguirem, uma espécie de “metrônomo humano”. Visto que o som do violino em um canto do palco chegava com outra velocidade ao instrumentista do outro lado como o contrabaixo, o que atrapalhava a execução da obra como um todo. Um dos primeiros maestros da história regia com um grande bastão, contanto o tempo batendo em um palanque de madeira. Em 1687, o compositor franco-italiano Jean-Baptiste de Lully atingiu o bastão em seu dedo do pé, gerando uma infecção que gangrenou todo o membro. Poucos meses depois, Jean-Baptiste faleceu decorrente da doença gerada por sua acidental batida errada. Fato este que levou aos músicos que se aventuravam na função de conduzir uma orquestra ou coro a pensar em outras alternativas, como a batuta, utilizada até hoje como extensão do braço. Logo, houve o aperfeiçoamento das técnicas de regência e hoje em dia é uma das áreas mais complexas da carreira musical.

À primeira vista, a função do maestro pode até parecer simples. A mão direita é responsável pela contagem do tempo e andamento da peça. Logo, a geografia dos gestos tem que ser a mais clara e didática possível para os músicos entenderem aonde estão na partitura e onde começa/termina o compasso. Já a mão esquerda tem a liberdade de diversas outras funções: dar as entradas para cada instrumento, alternar dinâmicas (como pianíssimo, piano, mezzoforte, forte, fortíssimo, etc.), conduzir melodias importantes na obra, e até mesmo ser a mão reflexo da direita, ou seja, espelhar o gesto de contagem do tempo.

É dedutível que, se existe toda uma orquestra olhando para apenas uma pessoa, esta alma inquieta e espalhafatosa tem algo a acrescentar a todos (na maioria das vezes). Isso se dá graças ao conhecimento necessário para poder “gerir” todos os músicos. A interpretação da obra como um todo, o andamento (se será mais rápida ou mais lenta), quais os instrumentos que serão mais evidenciados, qual parâmetro de intensidade irá utilizar, e muitas vezes até a direção dos arcos dos instrumentos de corda, são todas escolhas do maestro. Para isso, é necessário um conhecimento profundo de instrumentação, orquestração, como também a história da música, as diferentes correntes estéticas e em que situação as obras foram compostas (se são provindas do barroco, classicismo, romantistmo, etc), análise musical profunda das peças, entre outros. Por exemplo, saber que um fortíssimo para Mozart, tem uma conotação diferente de fortíssimo para Beethovem, e o porquê de cada escolha tomada. As variáveis são muitas, por isso a mesma peça pode ter interpretações totalmente diversas na mão de maestros diferentes.

Além disso, o regente precisa entender como funciona o mecanismo de cada instrumento da orquestra. Saber que o ataque (velocidade de reação) de um instrumento de corda como o violino é diferente de um ataque de um instrumento de sopro de palheta dupla, como o Oboé ou o Fagote, que por sua vez é diferente de um instrumento de bocal como a trompa ou trompete. Na grade orquestral, que é a partitura que contém todos os instrumentos da obra, cabe ao regente identificar as passagens que são difíceis para determinados instrumentos, justamente para, no ensaio, poder dar a devida atenção, para que resulte na melhor sonoridade possível.

Alguns expoentes da regência elevaram a prática a um nível mundial, a frente das maiores orquestras do mundo. São eles: Herbert Von Karajan, Leonard Bernstein, Claudio Abbado, Carlos Kleiber, Zubin Mehta, Simon Rattle, entre outros que foram de grande relevância para a interpretação de obras eternizadas em discos e gravações memoráveis. Um exercício interessante para distinguir a diferença de interpretações é escutar, por exemplo, a quinta sinfonia de Beethoven sob a regência de Bernstein e de Karajan. O andamento de ambas é notavelmente diferente.

Por isso, lembre-se: sempre quando vir um maestro, saiba que ele está fazendo muito mais do que apenas abanando as mãos para o alto. É uma função que exige muita concentração devido à alta complexidade de analisar todos os instrumentos ao mesmo tempo, para conduzir como ele gostaria que fosse a interpretação ideal. Ele tem a total ciência de tudo o que está acontecendo naquele momento.

 

 

Eduardo Assad Sahão

 

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