A apenas alguns dias antes de sua apresentação em Londrina, o Piano em Foco entrevistou um dos novos expoentes da carreira pianística brasileira, Hercules Gomes. O músico já recebeu vários prêmios, dentre eles o 11º Prêmio Nabor Pires de Camargo, e em 2014 foi vencedor do I Prêmio MIMO Instrumental promovido pelo maior festival de música instrumental do Brasil (MIMO). Em um bate-papo descontraído, o artista falou sobre a carreira de músico concertista, os desafios na trajetória de um musicista e o atual panorama da educação musical no Brasil. Hercules abrirá a temporada 2019 do Piano em Foco, no dia 17 de abril, às 19h30 no Centro Cultural SESI Londrina.
Piano em Foco: Hércules, sabemos que o Brasil possui muitas limitações no que se refere ao incentivo e difusão da cultura, ainda mais se tratando da cultura pianística. Gostaria que você me falasse um pouco da sua trajetória até chegar a carreira de pianista.
Hercules: Essa coisa de carreira começou depois que gravei meu primeiro disco Pianismo, de piano solo com algumas composições minhas e de alguns compositores brasileiros, que foi em 2013, então a carreira com meu nome começou aí, mas a “coisa” na verdade vem de muito antes. É muito difícil viver de música, seja ela erudita ou popular, e eu na verdade sempre fui músico da noite, sempre dei aulas e produzia alguns discos. Mas desde a faculdade fazia recitais de piano solo, a carreira é uma coisa que sempre sonhamos e acho que isso é muito importante. É isso (o sonho) que nos alimenta a sermos músicos melhores. Antes não tinha uma carreira artística com meu nome, mas sempre tive grupos de música instrumental.
O que me encorajou a gravar o primeiro disco foi um concurso em 2012 chamado “Prêmio Nabuco Pires de Camargo”, um concurso tradicionalmente de choro, foi um momento em que percebi que as pessoas gostavam dessa música que eu faço, e então decidi gravar esse meu primeiro disco. Depois do disco gravado investi um pouco na divulgação, e a internet foi muito importante, pois ela consegue democratizar o conhecimento e encontrar seu público de forma mais barata e acessível. E foi aÍ que fui ganhando reconhecimento, tudo a partir deste primeiro trabalho.
Piano em Foco: Para quem acompanha sua música, seus trabalhos, não consegue classifica-lo como pianista erudito e nem popular. Como é sua pesquisa de repertório e sua abordagem em cima do palco sobre a sua música?
Hércules: Essa questão de definição eu prefiro deixar pros outros, deixar que alguém encontre algum rotulo pra definir o que eu faço (risos). É popular, mas também não é tão popular porque é um pouco mais desenvolvido tecnicamente e sonoramente, mas também não é erudito porque não soa como tal, então eu não sei essa definição, prefiro deixar pros outros (risos).
Piano em Foco: Qual o papel do orientador, da escola onde você estuda, do ambiente, que são realmente relevantes para levar o estudante a alcançar a carreira de músico?
Hercules: Então, eu comecei a tocar como autodidata com o meu pai, toquei na igreja, em bandas de pagode, bandas sertanejas, tudo lá na minha terra natal, no Espirito Santo, e só na minha adolescência, por volta dos 16 anos, que entrei na escola de música de Villa Velha. Fiz aulas em escolas de bairro, aulas particulares, formando uma base teórica que me permitiu entrar no vestibular de música popular da UNICAMP, mas até então nunca tinha estudado piano clássico. O grande divisor de águas foi o professor Silvio Baroni, professor de piano clássico na UNICAMP daquela época. Ele teve aulas com Pietro Maranca, do qual herdou uma técnica pianistica elevada, sendo um dos seus maiores discípulos. E o Sílvio então, por sua vez, passa esses ensinamentos para seus alunos, e eu sou ainda hoje. E nessa época inclusive, tranquei o curso de música popular só para me dedicar aos estudos dessas técnicas e o repertorio de piano clássico com o prof. Silvio Baroni. Um período muito intenso de estudos no qual pude absorver essa técnica. E foi depois de um tempo que voltei a tocar música popular com essa técnica incorporada, e acabei então criando essa forma minha de tocar piano. Porque gosto das duas coisas, do Chick Corea, do Egberto Gismonti, mas também gosto do Horowitz, da Martha Argerich, Chopin, Mozart, etc. Como é impossível ser Martha Agerich e Keith Jarret ao mesmo tempo, não dá, então acabei tocando mais ou menos as duas coisas (risos).
Piano em Foco: De fato, impossível ser os dois ao mesmo tempo... (risos). Mas o melhor mesmo é sermos autênticos e acho que é essa autenticidade que nós músicos devemos procurar para construir nosso caminho.
Hercules: Com a arte não se tem um caminho tão bem definido, nem regras, ainda mais falando de carreira, porque você fala de identidade. Mas pra quem está na fase de estudante, eu acho que a coisa mais importante é sonhar, acreditar naquilo que você quer e correr atrás disso. Essa fase é a mais importante da vida de um músico, porque é onde você está formando as bases pros anos seguintes. E deve buscar o que quer, mesmo que dali alguns anos não alcance o que sonhou, porque com certeza essa busca o fez se tornar um músico muito melhor do que seria se não tivesse acreditado naquele sonho algum dia. Eu sonhava em ser o Gonzalo Rubolcaba, Egberto Gismonti, depois sonhava em ser a Martha Argerich, o Horowitz, e não consegui (risos). Mas de certa forma foi bom não ter conseguido porque criei uma outra coisa, mas se não tivesse acreditado nesses sonhos eu não faria o som que eu faço hoje. E isso você vê presente na carreira de grandes músicos, que queriam ser uma coisa e se tornaram outra. Mas o mais importante nessa primeira fase é estudar muito e sonhar com o músico que você quer ser, as outras coisas são respostas que a vida acaba te dando. E depois que você encontra a sua identidade você precisa encontrar seu público, e a internet ajuda muito pra isso.
E sobre o orientador, claro que tem um papel importante, muito importante, eu diria até que o mais importante, porque é ele que vai despertar suas melhores qualidades e que ele nunca desencoraje um aluno, ele deve orientar da melhor forma, não só para a música, mas para a vida também.
As escolas também têm um papel muito importante, mas acredito que as escolas no Brasil têm que ser repensadas e renovadas. O tradicional deve ser renovado com certeza, e o mais moderno acho que tem que olhar um pouco mais pra ciência, pro estudo, pro método, no sentido de livros mesmo. Acho que somos muito carentes quanto a métodos no Brasil. Acho que deve ter uma conexão melhor entre esses dois mundos, da música erudita e da popular também, música escrita, música improvisada, para que os estudantes possam ter uma visão ampla desses dois e possam ser músicos melhores, porque ainda são coisas muito separadas, em geral os alunos de piano clássico não aprendem harmonia, não aprendem improvisar, não aprendem esse tipo de criatividade, e ao mesmo tempo os alunos de música popular e jazz não aprendem muito a questão de técnica, de repertorio...então isso precisa melhorar muito quanto às instituições, às escolas de música, e isso se deve principalmente pela falta de livros, de métodos.
Piano em Foco: Pra finalizar Hércules, qual o desafio do pianista / artista hoje no Brasil?
Hércules: Existe uma diferença entre viver de música e da SUA música. Falando de carreira, é quando você vive da sua música, do seu trabalho artístico. Isso é muito difícil porque acaba entrando outras especialidades. No meu caso, foi uma transição que ainda estou vivendo, pra falar verdade foi desde o ano passado que consegui de fato viver só da minha música e dos concertos que faço, mas até chegar aqui foi uma batalha incansável, porque além de ser pianista, compositor sou meu próprio produtor, meu audiomaker, meu videomaker, meu agente, então pro artista independente tem que fazer o trabalho de uma gravadora inteira, inclusive na questão de marketing e divulgação. Eu me sinto assim, preciso matar 5 leões por dia pra conseguir tocar e fazer as pessoas me conheçam pra eu poder continuar a tocar e viver da minha música.
Você pode conferir o recital de Hercules Gomes no dia 17/04/2019, às 19h30, no Centro Cultural SESI Londrina. Clique aqui (https://www.pianoemfoco.com.br/#evento-principal) para mais informações sobre localização, ingressos e a programação completa do Piano em Foco.
Antonella Franco com colaboração de Eduardo Assad Sahão