Criadora do projeto Piano em Foco, Antonella Franco recria a atmosfera cultural dos recitais e planeja colocar Londrina na rota internacional do instrumento
“Se abandonas o piano, és um criminoso!”, dizia, com austeridade, minha bisavó no auge dos seus 86 anos. Por esta frase, é possível imaginar a relação intensa que tinha com o instrumento. Professora de piano e uma das fundadoras da primeira orquestra de Ponta Grossa-PR, Semiramis Peixoto de Oliveira tocou até o dia de sua morte. Até hoje, na minha vertiginosa caminhada pianística, estudo com os materiais deixados por ela. Os métodos, estudos, pastas de repertório, Czerny, Bona, e tantos outros para a prática profissional do instrumento, cada qual com suas anotações e impressões de época.
É fato que o estudo do piano, como qualquer outro instrumento, exige disciplina, paciência, perseverança e muita dedicação. Alguns pianistas elevam a prática do instrumento à níveis admiráveis, seja na música erudita, jazz, música brasileira, blues, rock, salsa, ou outros gêneros protagonizados pelo piano. Temos o orgulho de dizer que Londrina abriga vários exemplos destes. Entrevistei, com exclusividade para esta edição da Drops, a que considero ativista e desbravadora da prática pianística. Senhoras e senhores, com vocês, Antonella Franco.
A carreira da musicista começou cedo. Aos 6 anos ingressou nos estudos de piano, nos quais se formou aos 19, no Conservatório Carlos Gomes, sob orientação dos irmãos Lillian de Almeida (in memorian) e Marco Antônio de Almeida, ilustres representantes do instrumento e da vida musical em Londrina. Na graduação, estudou Música na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e, durante a trajetória, contou com diversas experiências que garantiram a expertise que, posteriormente, foram fundamentais para a criação de um projeto inovador. Desde a atuação como pianista correpetidora do Coral da Igreja Metodista até tocar em uma Jazz Band na Califórnia-EUA, onde fez intercâmbio. Atualmente, Antonella é diretora musical e arranjadora dos aclamados Mariage Coral e Orquestra (que completa dez anos) e do YesToday, grupos especializados em música para cerimônias e eventos, com formações que vão desde cinco até cinquenta músicos.
A polivalência dentro da área nas atuações como pianista, concertista, arranjadora, empresária, professora e coralista culminou na ideia de criar um projeto que pudesse abranger o piano como um todo, artística e pedagogicamente. Foi então que, em 2018, nasceu o Piano em Foco. “O projeto tem a intenção de agregar, unir, tornar acessível a cultura do piano na cidade. Criar uma agenda de práticas instrumentais que seja, ao mesmo tempo, artística e educativa”, ressalta Antonella. Dentre as ações que são desenvolvidas pelo projeto, estão os workshops, concursos, premiações, masterclasses e recitais, sempre com convidados de grande relevância no cenário nacional e internacional, como também jovens talentos promissores do instrumento.
A meta, segundo a fundadora do projeto, é colocar Londrina na rota do estudo e da prática de piano. “Londrina dispõe de um cenário musical muito rico, tive toda minha formação aqui, oportunidade de estudar com grandes mestres do piano, graças ao Festival de Música de Londrina”, relembra. “O Piano em Foco entra na cidade como um projeto de regularidade, que possui uma grade pedagógica periódica, para que, em breve possa se tornar um curso de extensão, ou pós-graduação em piano”.
Antonella menciona também a recente (e talvez mais importante) experiência de sua carreira: a participação no XXIII International Piano Festival, na cidade de Lublin, Polônia, em julho de 2019. A londrinense foi a primeira brasileira, em 16 anos, a participar do tradicional festival de verão polonês, que, entre masterclasses e workshops, possibilitou os pianistas a se apresentarem em recitais e concertos junto à Orquestra Filarmônica de Lublin. “Sempre tive o sonho de participar de um Festival Internacional deste porte. A direção foi muito acessível, e é uma referência de como os festivais de grande importância podem acontecer em cidades pequenas, do interior”, explica. A programação contou também com a parte turística, e um dos pontos altos foi a visitação à casa de um dos maiores nomes do piano da humanidade, o polonês Frédéric Chopin. “Estar onde Chopin morou e viveu parte da sua vida foi uma realização para mim. É meu compositor favorito, para estudar, ouvir e tocar”, declara Antonella que (coincidentemente ou não) nasceu no mesmo dia que o compositor.
A intenção de participar do festival foi além do exclusivo estudo de piano. Fraco reflete, “fui não só como pianista, mas como promotora de um projeto de piano, aberta a contatos, atenta a perceber os modos de operação e fazer networking. Quero estabelecer uma ponte entre os países e aprimorar Londrina tanto na área artística como pedagógica do piano. Temos muito a aprender com eles, mas percebi que também temos muito a ensinar”. Dentre os projetos futuros, é sempre espaço para falar da música brasileira. Na entrevista bem-humorada, a pianista exalta o Brasil, com razão. “A gente tem mania de valorizar apenas as coisas que vem de fora. O brasileiro tem que entender sobre a música do nosso país, nossa arte é muito bem vista lá fora. A riqueza da música brasileira é a nossa maior isca para captar a atenção do mundo, além de ser um baita cartão de visitas, né?!”.
*Fique por dentro da programação do Piano em Foco: www.pianoemfoco.com.br
Eduardo Assad Sahão
Músico e Jornalista
"Matéria originalmente publicada na edição 10 da revista Drops.Interview".